domingo, 13 de setembro de 2020

Como o homem é, assim será seu amigo

 


"Quem teme o Senhor terá também uma excelente amizade, pois seu amigo lhe será semelhante."

Eclesiástico 6, 17

            O sentido mais próprio, por assim dizer, desta passagem do fantástico livro do Eclesiástico é que Deus recompensa o justo com amigos justos também. Mas não é este o sentido do qual vamos falar hoje em nossa pequena reflexão. Queremos falar, na verdade, sobre a amizade como instrumento de Deus para o justo beneficiar seu próximo. Assim, falaremos sobre a tranquilidade que podemos ter em relação ao nosso testemunho no meio do mundo através das amizades e sobre a responsabilidade que temos de alcançar o máximo grau de perfeição possível, a fim de transbordar aos que estão à nossa volta o Amor que habita em nós.

            Há muitos de nós que se inquietam com a realidade à sua volta por verem tantas pessoas longe de Deus. Esta inquietação, até certo nível, é saudável e até necessária pois, se realmente amamos o nosso próximo, queremos que ele encontre de verdade Nosso Senhor e se salve. Assim, quem tem esta inquietação, tem também o desejo de levar as pessoas para Deus. O problema é quando este bom desejo se corrompe em fundamentalismo, muitas vezes ocasionado por escrúpulos, e a pessoa não consegue ter paciência ou prudência: precisa repreender qualquer um que se vista de modo impudico, que fale algo que não se encaixa em nossa fé ou qualquer coisa, tenta teimosamente convencer os outros da verdade católica a despeito do fechamento dos corações alheios e, ao contrário de sua bela intenção, leva os outros e a si mesmo ao pecado: os outros às blasfêmias, à irritação, assim como ele mesmo se irrita e corre o risco de julgar os outros. Isto acontece por ele, com a melhor das intenções, ter jogado pérolas aos porcos devido à sua imprudência. Nós vemos com frequência coisas assim pela internet, especialmente nas redes sociais, com pessoas empreendendo debates infrutíferos com ateus, abortistas, defensores do casamento homossexual, comunistas, protestantes, etc. Essas atitudes são geralmente tomadas pelos mais jovens que, sem perceber, podem estar encarando a religião como uma simples ideologia a ser propagada e aceita pelos demais, não aplicando corretamente o princípio do amor ao próximo.

Não digo que temos que nos calar perante todas as situações, digo que temos que saber falar e saber calar, saber fazer o que o amor exige naquele momento, como falava semana passada. Às vezes nosso silêncio diante de uma situação pode levar os outros ao escândalo e às vezes é a nossa manifestação que pode escandalizar. O que fazer então? Como saber o que fazer? Não há uma regra pronta, uma fórmula onde nós só precisamos encaixar as variáveis, como na física. Precisamos analisar cada caso real como único e, com confiança em Deus, fazer aquilo que, à luz da doutrina católica e da razão iluminada pela graça, nos parece melhor para a glória de Deus e o proveito dos homens.

Mas por que falar de tudo isso num texto sobre amizade? Porque este é um dos meios mais preciosos para se levar os outros a Deus, que é o objetivo de quem comete os erros que mencionei acima e porque estas questões são fonte de inquietação, ansiedade e escrúpulos para muitas pessoas e gostaria de aproveitar a oportunidade para tentar ajudar um pouquinho àqueles que sofrem com estas dificuldades. Vamos, pois, ao que mais nos interessa.

Vejam: quem teme ao Senhor terá amigos semelhantes a si. Isto quer dizer que, como disse antes, através da amizade, o temor e o amor que temos por Deus pode transbordar àqueles à nossa volta. Isto pode ser algo para confortar os corações daqueles que sofrem dos males de que falamos acima.

Para vivermos isto, devemos ter, primeiro, um grande sentido sobrenatural. Devemos saber que as penitências, os sacrifícios e orações que fazemos pelos outros são ouvidos por Deus. “É impossível de perecer um filho de tantas lágrimas”, foi o que um bispo disse, muito prudentemente, como relata Santo Agostinho, à sua mãe Santa Mônica, angustiada por ele estar envolto na heresia e impiedade. Deus escuta nossas orações pelos outros. Afinal, não está Ele muito mais interessado que nós na conversão do nosso próximo? Não foi Ele quem deu Sua vida na Cruz por todos e por cada um de nós, pobres pecadores? Tenhamos confiança na Sua Misericórdia e rezemos muito por nós e pelos outros.

Depois, é necessário que nosso amor se manifeste concretamente em nossas obras. Afinal, não é a amizade um tipo de amor? Devemos ser, na medida do possível, um Alter Christus para os homens (evidentemente, cada um de acordo com seu estado de vida, sendo os ministros ordenados outros Cristos de maneira essencialmente diferente de nós, leigos), estando ao lado deles não para sermos servidos, mas para servi-los em suas necessidades materiais e espirituais. Esta amizade, este testemunho, faz com que resplandeçamos a Face de Cristo para o nosso próximo, fazendo-o, de certa forma, conhece-Lo. E isto fala muito de Deus, às vezes mais do que as palavras, às quais o coração humano pode estar fechado. Como São Francisco de Assis disse, nossa vida pode ser o único Evangelho que muitas pessoas vão ler na delas. Isto pode confortar os escrupulosos, mas deve também chamar os tíbios à conversão: vejam quão grave é o nosso dever de praticar boas obras, de dar um bom testemunho de católicos! Disso pode depender a salvação das almas e, mesmo que seja só de uma, já não é o suficiente para nos esforçarmos ao máximo por isso, como o Bom Pastor que deixa as noventa e nove ovelhas para procurar a perdida?

Enfim, temos as conversas sobre a nossa fé. As pessoas não viram cristãs “por osmose”. É verdade que o testemunho de um santo pode levar muitas pessoas à conversão, mas devemos estar também sempre prontos para dar as razões da nossa esperança, como diz São Pedro, além de que, no mundo em que vivemos hoje em que nossa amada mãe Igreja é tão maltratada pelos homens, poucos a conhecem de verdade. Como disse o Venerável Fulton Sheen: “sequer cem pessoas odeiam a Igreja: mas milhões odeiam o que acham que a Igreja é.” Por isso, faz-se necessária a nossa formação, para que conheçamos com profundidade a nossa fé, e as conversas com nossos amigos, para que eles também possam conhecê-la de verdade. Claro, estas conversas devem sempre ocorrer com aquela prudência de que falamos acima, isto se a prudência permitir que elas ocorram, pois são muitos aqueles que não têm o coração preparado para receber a verdade e, neste sentido, as nossas orações e o testemunho que damos podem ajudar.

É esta, meus amigos, minha pequenina contribuição de hoje. Se gostaram do que leram e se acham que pode ajudar alguém, compartilhem em suas redes sociais e com seus amigos. Deus abençoe a todos! Que Nossa Senhora nos torne grandes amigos de Cristo e dos homens!

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