"Quem
teme o Senhor terá também uma excelente amizade, pois seu amigo lhe será
semelhante."
Eclesiástico 6, 17
O sentido mais próprio, por assim dizer, desta passagem
do fantástico livro do Eclesiástico é que Deus recompensa o justo com amigos
justos também. Mas não é este o sentido do qual vamos falar hoje em nossa
pequena reflexão. Queremos falar, na verdade, sobre a amizade como instrumento
de Deus para o justo beneficiar seu próximo. Assim, falaremos sobre a tranquilidade que podemos ter em relação ao nosso testemunho no meio do mundo
através das amizades e sobre a responsabilidade que temos de alcançar o máximo grau de perfeição possível, a fim de transbordar aos que estão à nossa volta o Amor que habita em nós.
Há muitos de nós que se inquietam com a realidade à sua
volta por verem tantas pessoas longe de Deus. Esta inquietação, até certo
nível, é saudável e até necessária pois, se realmente amamos o nosso próximo,
queremos que ele encontre de verdade Nosso Senhor e se salve. Assim, quem tem
esta inquietação, tem também o desejo de levar as pessoas para Deus. O problema
é quando este bom desejo se corrompe em fundamentalismo, muitas vezes
ocasionado por escrúpulos, e a pessoa não consegue ter paciência ou prudência:
precisa repreender qualquer um que se vista de modo impudico, que fale algo que
não se encaixa em nossa fé ou qualquer coisa, tenta teimosamente convencer os
outros da verdade católica a despeito do fechamento dos corações alheios e, ao
contrário de sua bela intenção, leva os outros e a si mesmo ao pecado: os
outros às blasfêmias, à irritação, assim como ele mesmo se irrita e corre o
risco de julgar os outros. Isto acontece por ele, com a melhor das intenções,
ter jogado pérolas aos porcos devido à sua imprudência. Nós vemos com
frequência coisas assim pela internet, especialmente nas redes sociais, com
pessoas empreendendo debates infrutíferos com ateus, abortistas, defensores do
casamento homossexual, comunistas, protestantes, etc. Essas atitudes são
geralmente tomadas pelos mais jovens que, sem perceber, podem estar encarando a
religião como uma simples ideologia a ser propagada e aceita pelos demais, não
aplicando corretamente o princípio do amor ao próximo.
Não
digo que temos que nos calar perante todas as situações, digo que temos que
saber falar e saber calar, saber fazer o que o amor exige naquele momento, como
falava semana passada. Às vezes nosso silêncio diante de uma situação pode
levar os outros ao escândalo e às vezes é a nossa manifestação que pode
escandalizar. O que fazer então? Como saber o que fazer? Não há uma regra
pronta, uma fórmula onde nós só precisamos encaixar as variáveis, como na
física. Precisamos analisar cada caso real como único e, com confiança em Deus,
fazer aquilo que, à luz da doutrina católica e da razão iluminada pela graça,
nos parece melhor para a glória de Deus e o proveito dos homens.
Mas
por que falar de tudo isso num texto sobre amizade? Porque este é um dos meios mais
preciosos para se levar os outros a Deus, que é o objetivo de quem comete os
erros que mencionei acima e porque estas questões são fonte de inquietação,
ansiedade e escrúpulos para muitas pessoas e gostaria de aproveitar a
oportunidade para tentar ajudar um pouquinho àqueles que sofrem com estas
dificuldades. Vamos, pois, ao que mais nos interessa.
Vejam:
quem teme ao Senhor terá amigos semelhantes a si. Isto quer dizer que, como
disse antes, através da amizade, o temor e o amor que temos por Deus pode
transbordar àqueles à nossa volta. Isto pode ser algo para confortar os
corações daqueles que sofrem dos males de que falamos acima.
Para
vivermos isto, devemos ter, primeiro, um grande sentido sobrenatural. Devemos
saber que as penitências, os sacrifícios e orações que fazemos pelos outros são
ouvidos por Deus. “É impossível de perecer um filho de tantas lágrimas”, foi o
que um bispo disse, muito prudentemente, como relata Santo Agostinho, à sua mãe
Santa Mônica, angustiada por ele estar envolto na heresia e impiedade. Deus escuta
nossas orações pelos outros. Afinal, não está Ele muito mais interessado que
nós na conversão do nosso próximo? Não foi Ele quem deu Sua vida na Cruz por
todos e por cada um de nós, pobres pecadores? Tenhamos confiança na Sua Misericórdia
e rezemos muito por nós e pelos outros.
Depois,
é necessário que nosso amor se manifeste concretamente em nossas obras. Afinal,
não é a amizade um tipo de amor? Devemos ser, na medida do possível, um Alter
Christus para os homens (evidentemente, cada um de acordo com seu estado de
vida, sendo os ministros ordenados outros Cristos de maneira essencialmente
diferente de nós, leigos), estando ao lado deles não para sermos servidos, mas
para servi-los em suas necessidades materiais e espirituais. Esta amizade, este
testemunho, faz com que resplandeçamos a Face de Cristo para o nosso próximo,
fazendo-o, de certa forma, conhece-Lo. E isto fala muito de Deus, às vezes mais
do que as palavras, às quais o coração humano pode estar fechado. Como São
Francisco de Assis disse, nossa vida pode ser o único Evangelho que muitas
pessoas vão ler na delas. Isto pode confortar os escrupulosos, mas deve também
chamar os tíbios à conversão: vejam quão grave é o nosso dever de praticar boas
obras, de dar um bom testemunho de católicos! Disso pode depender a salvação
das almas e, mesmo que seja só de uma, já não é o suficiente para nos
esforçarmos ao máximo por isso, como o Bom Pastor que deixa as noventa e nove
ovelhas para procurar a perdida?
Enfim,
temos as conversas sobre a nossa fé. As pessoas não viram cristãs “por osmose”.
É verdade que o testemunho de um santo pode levar muitas pessoas à conversão,
mas devemos estar também sempre prontos para dar as razões da nossa esperança,
como diz São Pedro, além de que, no mundo em que vivemos hoje em que nossa
amada mãe Igreja é tão maltratada pelos homens, poucos a conhecem de verdade.
Como disse o Venerável Fulton Sheen: “sequer cem pessoas odeiam a Igreja: mas
milhões odeiam o que acham que a Igreja é.” Por isso, faz-se necessária a nossa
formação, para que conheçamos com profundidade a nossa fé, e as conversas com
nossos amigos, para que eles também possam conhecê-la de verdade. Claro, estas
conversas devem sempre ocorrer com aquela prudência de que falamos acima, isto se
a prudência permitir que elas ocorram, pois são muitos aqueles que não têm o
coração preparado para receber a verdade e, neste sentido, as nossas orações e
o testemunho que damos podem ajudar.
É esta,
meus amigos, minha pequenina contribuição de hoje. Se gostaram do que leram e
se acham que pode ajudar alguém, compartilhem em suas redes sociais e com seus
amigos. Deus abençoe a todos! Que Nossa Senhora nos torne grandes amigos de
Cristo e dos homens!
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