“No princípio era o Verbo, e o Verbo
estava junto de Deus e o Verbo era Deus.” Assim começa o Evangelho segundo São
João. O Verbo, nós sabemos, é o Filho de Deus, Segunda Pessoa da Santíssima
Trindade, que se encarnou, tornando-se homem como nós. A palavra verbo tem três
significações próprias, segundo Santo Tomás: o conceito interior da mente, a palavra
proferida significativa deste conceito e a imaginação da palavra, sem ser
proferida. Deus, eternamente e num mesmo ato, é e se intelige e esta intelecção
gera o Verbo subsistente e da mesma natureza do Pai: é o Filho de Deus, que é
também Deus.
Peço perdão por este início um pouco
mais complicado de se entender, mas acredito que possa ser construtivo para
nossa reflexão de hoje. Queremos falar da nossa filiação divina e da sua
grandeza, da excelência que é ser filho de Deus e, para isso, é bom que ao
menos possamos contemplar, com todo o nosso limite e de maneira imperfeitíssima,
como se dá a filiação na Trindade, porque, já adianto, é desta filiação que,
pelo Batismo, participamos.
Há diversas maneiras de se ser chamado
filho de Deus. De certa forma, todas as criaturas podem ser chamadas filhas de
Deus, por analogia de criador-criatura. Mais propriamente o homem, por ser
naturalmente imagem de Deus, pode ser chamado desta forma. Mas, pelo Batismo, nós
somos inseridos no Corpo de Cristo e temos uma filiação divina ainda mais
perfeita que a de Adão antes da queda: somos filhos no Filho de Deus,
participamos da maneira pela qual o próprio Cristo é Filho do Pai. E isto é
muito grande. Isto é, para nós batizados, objeto de um certo santo orgulho, de
grande complacência. O Pai nos adotou como filhos! Deus, o criador de todas as
coisas, nos olha como um pai olha seu filhinho pequeno, só que com muito mais
amor e muito mais zelo, porque o Pai é infinito. Que grandeza! Como somos
grandes! Temos um Pai que nos ama infinitamente!
Esta filiação deve como que brilhar em
nós através do testemunho de nossas vidas, especialmente pela confiança que
depositamos no nosso bom Pai Deus. Se eu sei que Deus é meu Pai e que Ele me
ama com amor infinito, não tenho motivo para perder a paz ou a alegria em meio
aos sofrimentos. Não é para sermos robôs ou anjos que não sofrem ou que não são
afetados por nada. Mas, em meio as lágrimas que as circunstâncias de nossa vida
possam nos provocar, devemos estar com o coração confiante em Deus. Cristo
sofreu e muito na Terra. O vimos chorar por Seu amigo que morreu, por Jerusalém
e sua falta de conversão, o vimos cheio de angústia ao saber que estava próxima
Sua Paixão, sem falar nela mesma, mas Ele nunca desconfiou da bondade de Deus,
nem se entregou ao desespero. Enquanto as partes mais baixas de Sua alma
sofriam amargamente, a mais alta tinha uma alegria que nós só vamos conhecer no
Céu, e ainda muito imperfeitamente. Assim, imitemos ao Filho de Deus perante as
tribulações de nossa vida, porque participamos desta filiação também, para a
honra e glória de Deus e para o nosso próprio bem, porque não tem dor pior que
a do desespero.
Alguns de nós, porém, não sofrem por
circunstâncias externas, mas internas e essas são, de fato, as mais difíceis de
se enfrentar. Às vezes os nossos próprios pecados nos causam um peso tão grande
que queremos desanimar, que nos entristecemos ou nos irritamos. O segredo é
ainda a confiança em Deus. Ele está sempre pronto para perdoar-nos e não devemos
temê-Lo e nem o sacramento da Confissão, que é um tribunal de misericórdia,
porque se Deus sofre pela ofensa proferida contra Ele, sofre muito mais por
estarmos distantes Dele. Devemos olhar para nossas misérias com extrema confiança
e humildade, mas não uma humildade fria e triste, que é muito mais um orgulho
mascarado. Não: o verdadeiro humilde fica em paz com sua própria miséria, pois
não espera muito de si, conhece sua incapacidade. Não quer dizer que não sofra,
mas sofre como que em paz. Assim, nem os nossos pecados devem nos tirar a alegria
e a paz próprias dos filhos de Deus. Santos mesmo só o seremos no Céu. Não
sejamos, com o perdão das palavras, tão mimados e birrentos ao ponto de, diante
de tantas graças e de tantos privilégios recebidos da Providência, como a própria
filiação da qual estamos falando e mesmo o estado de graça que os nossos
pecados veniais não podem nos roubar, ficarmos tristes e emburrados com as
circunstâncias exteriores e interiores, como uma criança que ganha um
maravilhoso bolo de chocolate de aniversário, mas se entristece pois a cereja não
está bem no centro.
Sejamos homens e mulheres simples e
conscientes da nossa grandeza e da nossa miséria, sem deixar que esta encubra a
alegria proporcionada por aquela. Vivamos segundo a nossa condição de filhos no
Filho de Deus, imitando cada uma das suas pequenas atitudes. Assim, termino
este pequeno texto. Espero ter colocado nas mentes dos meus leitores pelo menos
um pouquinho da alegria e da paz que me vêm de saber que sou filho de um Pai
tão maravilhoso. Que Nossa Senhora, Nossa Mãezinha aumente em nós a consciência
da filiação divina e da filiação que temos para com ela. Deus abençoe a todos!
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