domingo, 16 de agosto de 2020

Maria: a mais extraordinária das mulheres comuns

 

            Ontem, dia quinze de agosto foi dia da Assunção de Nossa Senhora, mas comemoramos no Brasil apenas hoje, no domingo após a data por não ser um feriado nacional e ser uma solenidade tão importante. A Assunção de Nossa Senhora, mistério que termina a sua vida, está relacionado completamente com seu início, na sua Imaculada Conceição e com o seu decorrer que, em santidade, só fica atrás de Nosso Senhor, pelo abismo que há entre Deus e criatura. Hoje, falaremos especialmente desta santa vivência, que foi extraordinariamente comum.

            Ora, dizer que Nossa Senhora é uma mulher comum é um grave erro, considerando todos os privilégios que Ela recebeu da graça divina: sua concepção sem pecado original e uma vida permeada pela misericórdia preventiva de Deus, que não a deixou cair em pecado algum como comentava há pouco, e o mais gritante: a maternidade do Filho de Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas há certa maneira de considerarmos sua vida como comum. Olhando para o Lar de Nazaré antes do início da vida pública de Jesus, podemos contemplar a Sagrada Família reunida: Jesus e José trabalhando na carpintaria e Maria cuidando da casa, preparando o almoço... tudo normal, comum se olharmos com olhos simplesmente humanos. Nossa Senhora tinha uma rotina de uma judia comum: rezava, meditava, trabalhava... Quem sabe algumas pessoas que morassem perto da casa da Família não notassem algo de diferente? Mas, pelo que vemos no Evangelho, nem a santidade perfeita de Nosso Senhor foi percebida pelos seus conterrâneos. Logo, torna-se muito difícil que tenha sido Ela percebida.

            E qual o ponto em que quero chegar? Em algo que gosto muito de enfatizar, e que já o foi tanto por grandes santos, como São Francisco de Sales e São Josemaria Escrivá: a grandeza da vida comum, da vida cotidiana. O cristão se santifica cumprindo bem os seus deveres. Para sermos santos, não é preciso fazermos coisas esquisitas. É verdade que é bem difícil que aqueles que convivem conosco, se procuramos seguir bem os ensinamentos de Deus e da Igreja, podem nos olhar como pertencentes a outro mundo, porque de fato, como diria Santo Agostinho, somos cidadãos celestes vivendo na Terra e aqueles que não o são estranharão nossas opiniões e nossas escolhas; e isto ainda mais no mundo secularizado e longe de Deus em que vivemos. Mas, o que devemos evitar é uma certa busca ativa por parecer diferente dos outros ou ainda certas coisas contrárias à prudência, virtude necessária para nossa santificação. Isto pode vir ora do orgulho, ora de certo escrúpulo que nos induz a fazermos coisas que não precisamos e que, às vezes, nem devíamos.

            Eu sou estudante. Se eu tenho uma prova amanhã, o que eu faço? Estudo para a prova e durmo cedo para descansar bem ou passo o dia e a noite inteira em oração por causa de uma pretensa inspiração divina e nem aprender, nem descansar, acabando por me dar mal na prova? Claro que a primeira opção. Nossa Senhora teve que tomar atitudes como esta na sua vida de Mãe e foram estas e outras atitudes as que a santificaram. Claro que ficar de pé junto à Cruz ou ser Virgem até a morte são coisas que mais nos chamam a atenção, mas a sua vivência cotidiana, seu cuidado com as pequenas coisas, com o sal que colocaria na comida e com a limpeza da casa foram também parte de sua vida e parte importante dela, pois foi cumprindo estes e outros deveres com amor que seu Imaculado Coração, já pleno de graça, como diz São Gabriel na saudação, foi se dilatando para amar ainda mais a Deus e foi se preparando para os grandes eventos de sua vida: a Encarnação do Verbo, o Seu nascimento, Sua Morte na Cruz, Sua Ressureição e Ascenção, o Pentecostes e, ao fim da vida dela, sua Assunção aos Céus e a sua Coroação como Rainha do Céu e da Terra.

            Falamos de como Nossa Senhora foi uma mulher comum. Mas por que seria ela a mais extraordinária das mulheres comuns? Sabemos de todos os seus privilégios, mas do que quero tratar no momento é da vivência extraordinária da sua vida comum. Como dizia antes, o cristão se santifica cumprindo bem os seus deveres. Maria, diferente de nós, cumpriu tudo o que Deus pediu a Ela. E não só cumpriu tudo, mas o fez com o máximo de perfeição possível, isto é, com o máximo de amor possível. Ela preparava cada refeição, realizava cada faxina com o maior amor que poderia dar. Isto não quer dizer que ela colocava grandes pesos psicológicos e imensa gravidade em cada coisa ou que não parava de pensar em Deus a cada momento, mas que, com a paz, a serenidade e a alegria que vêm de Deus ela realizou amorosamente suas tarefas e viveu sua vida. Dessa maneira, ela foi caminhando a cada dia, a cada segundo, para o Céu. Sua Assunção, ao fim de sua vida, foi uma síntese dela inteira, vivida toda voltada para o Eterno, mas vivida na história, no tempo.

            Vejam só mais uma coisa que acabo de me lembrar: Maria foi assunta aos céus, diferente de Jesus que ascendeu. Isto significa que, nesta síntese de sua vida, ela não subiu aos céus por força própria, mas foi levada por Deus. Assim também em sua vida cotidiana: ela dependeu da graça divina para todos os movimentos de amor que realizou em sua maravilhosa vida. Assim também nós, se quisermos imitar sua perfeição, devemos empregar todos os nossos esforços como ela o fez, mas confiando sempre na graça divina e sabendo que, sem ela, sem Deus, nada podemos fazer.

            Peçamos no dia de hoje a tão Boa Mãe, a graça de sermos, como Ela, muito humanos e muito divinos, que Ela nos ensine a viver como Ela viveu, como bons discípulos de Nosso Senhor Jesus Cristo. Porque é isto que a devoção à Ela e a contemplação de sua vida deve fazer conosco: conduzir-nos para Ele.

            Deus abençoe a todos! Feliz dia da Assunção  e uma boa semana a todos!

domingo, 2 de agosto de 2020

Filiação divina


            “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus.” Assim começa o Evangelho segundo São João. O Verbo, nós sabemos, é o Filho de Deus, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, que se encarnou, tornando-se homem como nós. A palavra verbo tem três significações próprias, segundo Santo Tomás: o conceito interior da mente, a palavra proferida significativa deste conceito e a imaginação da palavra, sem ser proferida. Deus, eternamente e num mesmo ato, é e se intelige e esta intelecção gera o Verbo subsistente e da mesma natureza do Pai: é o Filho de Deus, que é também Deus.

            Peço perdão por este início um pouco mais complicado de se entender, mas acredito que possa ser construtivo para nossa reflexão de hoje. Queremos falar da nossa filiação divina e da sua grandeza, da excelência que é ser filho de Deus e, para isso, é bom que ao menos possamos contemplar, com todo o nosso limite e de maneira imperfeitíssima, como se dá a filiação na Trindade, porque, já adianto, é desta filiação que, pelo Batismo, participamos.

            Há diversas maneiras de se ser chamado filho de Deus. De certa forma, todas as criaturas podem ser chamadas filhas de Deus, por analogia de criador-criatura. Mais propriamente o homem, por ser naturalmente imagem de Deus, pode ser chamado desta forma. Mas, pelo Batismo, nós somos inseridos no Corpo de Cristo e temos uma filiação divina ainda mais perfeita que a de Adão antes da queda: somos filhos no Filho de Deus, participamos da maneira pela qual o próprio Cristo é Filho do Pai. E isto é muito grande. Isto é, para nós batizados, objeto de um certo santo orgulho, de grande complacência. O Pai nos adotou como filhos! Deus, o criador de todas as coisas, nos olha como um pai olha seu filhinho pequeno, só que com muito mais amor e muito mais zelo, porque o Pai é infinito. Que grandeza! Como somos grandes! Temos um Pai que nos ama infinitamente!

            Esta filiação deve como que brilhar em nós através do testemunho de nossas vidas, especialmente pela confiança que depositamos no nosso bom Pai Deus. Se eu sei que Deus é meu Pai e que Ele me ama com amor infinito, não tenho motivo para perder a paz ou a alegria em meio aos sofrimentos. Não é para sermos robôs ou anjos que não sofrem ou que não são afetados por nada. Mas, em meio as lágrimas que as circunstâncias de nossa vida possam nos provocar, devemos estar com o coração confiante em Deus. Cristo sofreu e muito na Terra. O vimos chorar por Seu amigo que morreu, por Jerusalém e sua falta de conversão, o vimos cheio de angústia ao saber que estava próxima Sua Paixão, sem falar nela mesma, mas Ele nunca desconfiou da bondade de Deus, nem se entregou ao desespero. Enquanto as partes mais baixas de Sua alma sofriam amargamente, a mais alta tinha uma alegria que nós só vamos conhecer no Céu, e ainda muito imperfeitamente. Assim, imitemos ao Filho de Deus perante as tribulações de nossa vida, porque participamos desta filiação também, para a honra e glória de Deus e para o nosso próprio bem, porque não tem dor pior que a do desespero.

            Alguns de nós, porém, não sofrem por circunstâncias externas, mas internas e essas são, de fato, as mais difíceis de se enfrentar. Às vezes os nossos próprios pecados nos causam um peso tão grande que queremos desanimar, que nos entristecemos ou nos irritamos. O segredo é ainda a confiança em Deus. Ele está sempre pronto para perdoar-nos e não devemos temê-Lo e nem o sacramento da Confissão, que é um tribunal de misericórdia, porque se Deus sofre pela ofensa proferida contra Ele, sofre muito mais por estarmos distantes Dele. Devemos olhar para nossas misérias com extrema confiança e humildade, mas não uma humildade fria e triste, que é muito mais um orgulho mascarado. Não: o verdadeiro humilde fica em paz com sua própria miséria, pois não espera muito de si, conhece sua incapacidade. Não quer dizer que não sofra, mas sofre como que em paz. Assim, nem os nossos pecados devem nos tirar a alegria e a paz próprias dos filhos de Deus. Santos mesmo só o seremos no Céu. Não sejamos, com o perdão das palavras, tão mimados e birrentos ao ponto de, diante de tantas graças e de tantos privilégios recebidos da Providência, como a própria filiação da qual estamos falando e mesmo o estado de graça que os nossos pecados veniais não podem nos roubar, ficarmos tristes e emburrados com as circunstâncias exteriores e interiores, como uma criança que ganha um maravilhoso bolo de chocolate de aniversário, mas se entristece pois a cereja não está bem no centro.

            Sejamos homens e mulheres simples e conscientes da nossa grandeza e da nossa miséria, sem deixar que esta encubra a alegria proporcionada por aquela. Vivamos segundo a nossa condição de filhos no Filho de Deus, imitando cada uma das suas pequenas atitudes. Assim, termino este pequeno texto. Espero ter colocado nas mentes dos meus leitores pelo menos um pouquinho da alegria e da paz que me vêm de saber que sou filho de um Pai tão maravilhoso. Que Nossa Senhora, Nossa Mãezinha aumente em nós a consciência da filiação divina e da filiação que temos para com ela. Deus abençoe a todos!


São José na Sagrada Escritura

  São José é mencionado nos Evangelhos apenas 14 vezes, em cerca de 43 versículos (Mt ...