Venho falando em meus textos, há algum tempo, de dois erros que circundam o meio cristão: o sentimentalismo e uma certa negação dos sentimentos. Geralmente, falo contra essa negação dos sentimentos, que parece ser mais oculta e difícil de perceber, enquanto que contra o sentimentalismo já há muita matéria em diversos lugares. Contudo, gostaria de fazer um pequeno texto que fale um pouquinho dessas dimensões humanas e de seu contato com o divino. Não pretendo fazer um tratado muito denso ou complexo sobre o tema, até porque não tenho capacidade para algo assim. Mas espero que, com a graça de Deus, possa esclarecer pequenas coisas e ajudar àqueles que, como eu, tem este grande desejo de amar a Deus e de fazer sua vontade mas que tropeçam em suas misérias neste caminho.
O objetivo da nossa vida humana é a união com Deus. Do que trataremos aqui é do caminho para esta união. Sabemos que o pecado original separou nossos primeiros pais da amizade com Deus, o que fez com que o gênero humano necessitasse de um salvador: Nosso Senhor Jesus Cristo. Sabemos também que, embora Deus tenha redimido a humanidade e nos alcançado o perdão dos nossos pecados, que nos vem, ordinariamente, através dos sacramentos, ainda trazemos em nós as marcas do pecado original e de nossos pecados pessoais. A que quero destacar aqui é aquela inclinação ao mal que torna a carne fraca, aquela lei dos membros que se contrapõe à lei do espírito, que nos leva a fazer não o bem que queremos mas o mal que não queremos. Para chegarmos ao nosso fim último, a união com Deus, temos de ser santos. Embora aqui na Terra nunca possamos ser plenamente santos como seremos no céu, nós podemos e devemos, com a ajuda de Deus, buscar a nossa santificação através da fuga do pecado e da prática das virtudes, ou seja, evitar tudo aquilo que nos afasta de Deus e buscar tudo aquilo que nos aproxima Dele. Para isso, é necessária uma colaboração entre Deus e o homem. Como disse Santo Agostinho: "Deus, que te criou sem ti, não pode te salvar sem ti." E essa exigência de colaboração fala a diversos aspectos de nossa vida.
Comecemos com o mais evidente: nós precisamo decidir por Deus, escolher agradá-Lo através do cumprimento de Sua vontade. Deus toma a iniciativa de chegar até nós e nos chamar para perto Dele, mas Ele conta com nossa resposta. Sem ela, seremos, infelizmente, condenados. É por isso que, apesar da bondade de Deus, muitos vão para o inferno. É triste, talvez soe pesado, mas é verdade. Nosso Senhor sempre dá a todos as graças suficientes para serem salvos. Aqueles que não o são, poderiam ter se salvado, mas não se salvaram porque, de certa forma, não quiseram... E o Coração de Cristo fica tão ferido, tão triste porque aqueles a quem tanto amou o desprezaram e não o quiseram. O Sagrado Coração fica muito mais machucado e triste que irado com isso, porque estava pronto para derramar a misericórdia nas almas de todos os condenados, mas ele se fecharam a Ele.
Esta necessidade de decisão por Deus nos leva a refletir sobre algo que tem uma dupla consequência para nós. A devoção sensível, aquelas doces consolações que recebemos de Deus na oração, na Comunhão não são o essencial. Infelizmente, nós podemos fazer com que elas se tornem infrutíferas se não deixarmos que o mistério que contemplamos ilumine nossa inteligência e mova nossa vontade ao bem. Se Deus nos presenteia com alegrias, com uma contemplação de sua misericórdia que nos move até as lágrimas e nós não passamos disso, não colocamos essas verdades bem fundo em nossas almas e não tomamos resoluções para melhorarmos como pessoas, essas consolações terão pouco valor. Por isso, é necessário que estejamos atentos para colaborar com essas graças que Deus nos dá.
Por outro lado, isto pode servir-nos de consolo, além de um "puxão de orelha". Há muitos de nós que se sentem culpados, distantes de Deus e se enchem de escrúpulos a ponto de paralisar a própria vida espiritual por não sentirem essas consolações. A questão é que isto não depende de nós! São presentes, dons de Deus para ajudar-nos a trilhar o caminho do bem, mas, como disse antes, não são o essencial. Deus quer de nós um espírito decidido por Ele. Se nos dispomos a rezar, a ajudar os outros por amor a Deus, pouco importa como estamos nos sentindo, se sentimos seu amor ou sua graça agindo em nós. Se não sentimos estas coisas, não significa que "nossa fé está fraca" ou que "Deus nos abandonou". Pelo contrário: pode ser uma grande chance de nos purificarmos, de darmos a Jesus um amor mais desinteressado, que não espera consolações, mas que só quer amar. Conheço a história de um rapaz angustiado que confidenciou ao seu amigo: "Me sinto longe de Deus, me sinto indiferente, como se não me importasse com Ele... Não sinto mais aquela alegria de rezar, nem o coração aquecido por aquele fervor apostólico que tive outrora. Sofro muito por isso..." e começou a lagrimar de dor. Ao que o amigo, mais sábio e mais experiente na vida espiritual lhe respondeu: "Amigo, pode alguém indiferente derramar lágrimas por se sentir indiferente?" E o jovem, apesar de não ter recebido de volta as consolações na mesma hora, sentiu-se com a consciência mais tranquila, confiando que amava a Deus mesmo que não o sentisse.
Há, também, aqueles erros que, explícita ou implicitamente, negam o valor do humano, seja dos sentimentos e afetos, seja de toda a colaboração do homem na obra divina. E temos também os que superestimam as forças humanas nesta obra. É necessário chegar-se a um equilíbrio.
O coração (não como órgão corporal, mas como dimensão da alma), centro espiritual da afetividade humana, é criatura de Deus como o são a inteligência e a vontade. Por isso, é algo bom e que deve ser amado por nós. Nossos sentimentos e emoções, embora não sejam estritamente essenciais para a prática do bem, enriquecem a experiência humana dessa prática. Quanto à inteligência e a vontade, já falamos um pouco do papel delas acima, mesmo que da maneira superficial que o espaço e minhas capacidades permitem.
Quanto ao erro de superestimar este valor do papel humano, devemos sempre lembrar da nossa pequenez. Embora Deus conte com nossa colaboração na obra da nossa salvação, nosso papel, no fim, é muito pequenino. Deus é quem toma a iniciativa, move nossa liberdade (sem anulá-la) para o bem e cura as feridas causadas pelos nossos pecados. Quem quiser ser santo pelas próprias forças vai se frustrar, porque não vai conseguir. É bom que desista logo e tome uma postura mais humilde diante da realidade da própria miséria. É o Espírito Santo que nos torna santos, não nós mesmos, embora tenhamos que aplicar todo o nosso esforço para colaborar com Ele. Assim, nós devemos cultivar sempre um espírito de docilidade, de pobreza e súplica diante de Deus. Também um espírito de tranquilidade, fruto da confiança no Seu amor que tudo pode, apesar de nossas misérias colocarem obstáculos à Sua graça.
Confiemos sempre no Sagrado Coração de Jesus! É uma devoção muito terna que muito tem a ver com este tema de que tratamos... Nosso Senhor assumiu um coração humano para mostrar-nos que não é um Deus distante, mas um Deus que se preocupa conosco, que quer carregar conosco nossas cruzes, partilhar nossas alegrias, sofrer as nossas dores. Não deixou de ser Deus e Senhor, mas fez-se também homem e amigo nosso. Esta é uma devoção que pode tirar-nos o peso de confiarmos demais em nós mesmos e das decepções e remorsos que o acompanham, mas também da tristeza de desprezarmos a nossa natureza humana e o nosso papel na nossa salvação e na dos nossos irmãos.
Deus fez-se homem e experimentou todas as nossas dores; nosso Pai celeste cuida de nós como seus filhos amados e tudo faz para o nosso bem; temos Jesus como nosso amigo fiel, que tem um Coração divino como o do Pai, mas também humano como o nosso e sentiu tudo o que nós sentimos com exceção do pecado. Como nos angustiaremos? Suscitemos uma grande confiança nesse Deus que tanto nos ama. Dessa confiança brota uma santa paz por nos sentirmos abandonados aos cuidados de um Pai tão bom e um santo entusiasmo, pronto para colaborar com qualquer obra que Ele quiser empreender.
Confiemos sempre em Deus! Deus abençoe vocês! Bom domingo e boa semana a todos!
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