domingo, 31 de maio de 2020

Pentecostes: homens de oração e de ação

8 chaves para compreender Pentecostes

Pentecostes. Após a Ascensão do Senhor, os apóstolos, junto de Nossa Senhora, permaneceram em oração até o dia de hoje (dando origem à primeira novena da Igreja), quando o Espírito Santo desceu sobre a Igreja nascente. Depois disso, os apóstolos se puseram a pregar, a anunciar a Palavra de Deus e a batizar os homens que se convertiam ao ouvirem e crerem no Evangelho. Que maravilha! Acredito que já dê para imaginar o que quero destacar aqui: a preparação dos apóstolos para a missão através da oração e o seu vigor missionário após a descida do Divino Paráclito.

Oração e ação devem constituir uma unidade na vida de cada cristão. Nem só uma, nem só outra podem esgotar a vivência do Evangelho. Reflitamos, primeiramente, sobre nossa vida de oração. O que é, afinal, fazer oração, rezar? Nada menos que um diálogo com o Senhor. Não devemos encarar nossas orações como uma pesada obrigação para com Deus, mas como um doce diálogo, uma doce conversa com Deus. Não esqueçamos nunca disso... Deus não está simplesmente no seu trono, olhando-nos com desdém quando rezamos, como um rei sádico que quer ver o povo sofrer e adulá-lo antes de "pensar no seu caso", se vai lhe ajudar ou não; Deus está, sim, em seu trono, porque é Rei de todo o Universo, mas nos olha de forma muito afetuosa, muito misericordiosa, inclinando-Se até nós para ouvir-nos como um pai faz com seu filho que lhe fala, como dizia o Santo Cura d'Ars. E vejam: um pai quer seu filho por perto, quer ouvir suas necessidades, tristezas, alegrias, conquistas e quer ajudá-lo ou participar da sua alegria. Agora, se o filho não quer contar ao pai, não ficará este chateado? Assim é com Nosso Pai Deus. Olhemos para nossa oração como um diálogo amoroso com Deus que nos quer por perto e para o sentimento que Ele terá se nós faltarmos a ela; não pensemos na oração, repito, como um fardo, como um peso, mas na maneira que temos de nos aproximarmos de Nosso Senhor. E nós precisamos dela para qualquer coisa. "Sem mim, nada podeis fazer" (Jo 15, 5), diz o Senhor. Se não estivermos unidos a Ele, não daremos frutos, não conseguiremos perseverar. Como os ramos que recebemos no domingo de ramos secam fora da videira (ou da planta de que tiramos), nós também morremos se nos afastarmos do Senhor, ou seja, se deixarmos nossa vida de oração. E os apóstolos perceberam isso. Por isso, ficaram junto de Nossa Senhora, esperando que Deus enviasse seu Santo Espírito, para que, revestidos Dele, pudessem cumprir sua missão de anunciar o Evangelho a toda a criatura. Mas, ao receberem a graça, puseram-se em ação.

Há cristãos que querem ser homens e mulheres de oração. E todos devemos querer. Mas alguns não querem ser nada além disso... É verdade que há vocações na Igreja que são essencialmente contemplativas, ou seja, têm como missão dedicar-se à oração, às vezes também aos estudos, mas, nesse caso, sua missão é essa mesma: sustentar a Igreja, converter os pecadores, fazer descerem as bençãos de Deus através de suas orações. Assim, rezando e fazendo penitência não só por si, mas por todo o mundo, além de alguns outros trabalhos mais ativos que praticam, como a confecção de artigos religiosos, o acolhimento de peregrinos, a direção espiritual, os contemplativos, sejam monges ou eremitas, aqueles ainda se esforçando para cultivar o amor fraterno por aqueles que convivem com eles, servem a Deus e à humanidade. Mas, acredito que ninguém que lê este texto é monge. Então, falemos de nossa vida. Nós estamos no meio do mundo. Não devemos viver, pois, como se não estivéssemos, mesmo que enxerguemos que não é isto que Deus espera de nós. Se for, caminhemos nesta direção, mas não ignoremos o presente, porque a Vontade de Deus no presente é que nos comportemos de acordo com as circunstâncias que Sua providência colocou diante de nós. Ajamos, assim, como autênticos filhos de Deus em nosso próprio estado. Tenhamos boas relações com aqueles ao nosso redor, cumpramos o nosso trabalho, socorramos as necessidades de quem precisa, de acordo com nossas capacidades. Não esqueçamos de São Tiago, falando sobre a fé: "se não tiver obras, é morta em si mesma." (Tg 2, 17) Por isso, mostremos verdadeiro fruto de conversão, como mandava São João Batista, que também prefigurou o Pentecostes, anunciando que Jesus seria Aquele que batizaria com o fogo do Espírito Santo. Lembremos que a graça de Deus deve agir sobre homens concretos e deve deixar uma marca concreta em nossa vida concreta e santificar-nos, elevar-nos para Deus; não é apenas a fonte de consolações. Quantas vezes não buscamos a oração e o trato com Deus simplesmente para sentirmos as consolações Dele... Fujamos disso. Devemos amar o Deus das consolações antes das consolações de Deus, que devem ser amadas também, mas não mais que Aquele de quem provêm. Assim, confiantes na graça de Deus, sejamos fiéis à missão que Ele nos deu e busquemos preparar os corações dos homens para recebê-Lo, através de conversas, de orações, ou de atos simples de caridade. O Divino Espírito conta conosco para isso. Não quer só a nós, mas a toda a humanidade e quer que colaboremos com Ele para que todos os homens o recebam, preparando seus caminhos, como João Batista preparou os de Jesus. Assim, não podemos nos dar ao luxo de viver uma vida medíocre de modo algum. Sejamos esforçados profissionais, estudantes, filhos, pais; sejamos autênticos filhos de Deus, nos esforcemos para refletir Sua face para os homens.

Que Nosso Senhor infunda em nós o Santo Espírito! Que o Divino Paráclito possa aquecer nossos corações e transformar nossa vida numa constante oração, seja nos momentos reservados especialmente para estar com Ele, seja nos momentos em que Ele faz de nós instrumentos de Seu Amor para levar servirmos a Ele e aos homens. Deus abençoe a todos! Um bom domingo de Pentecostes e uma boa semana a todos!

domingo, 24 de maio de 2020

A Ascensão do Senhor e a miséria e a dignidade humanas

Vésperas da Ascensão do Senhor - Liturgia das Horas

Ascensão do Senhor! O dia em que Ele subiu aos céus para junto de Seu e Nosso Pai, depois de tanto tempo conosco, e nos prometeu o Espírito Santo. Este mistério celebrado hoje pode iluminar profundamente nossa vida espiritual. Gostaria de destacar aqui dois frutos muito bem unidos entre si que podemos tirar deste mistério: humildade e esperança, todas as duas do fato de que a divindade de Jesus eleva Sua santa humanidade.

Por que a Ascensão de Jesus nos convida a sermos humildes? Sempre lembro que apenas Nosso Senhor conseguiu subir aos céus por força própria, enquanto que nós só o podemos com o auxílio que Ele nos dá. Não adianta empregarmos toda a nossa força humana se não estivermos confiando na divina. Jesus subiu sozinho aos céus porque é Deus além de homem, enquanto que nós somos apenas pobres homens, pobres e fracos seres humanos. Nenhum homem pode ascender ao céu. Nem Nossa Senhora o pôde: ela foi assunta, foi levada aos céus pelo divino poder. Mas isso todo mundo já sabe. Todos sabemos que só podemos ser salvos pela misericórdia de Deus. O problema é que nem sempre nossas ações são coerentes com isto. Frequentemente não somos tentados a buscar a conversão nossa ou de outra pessoa somente com nossas próprias forças? E no que isso dá? Desânimo, tristeza, frustração... Tantas angústias sentimos quando nos esforçamos tanto, quando sofremos tanto buscando alguma graça para obter algum bem material ou espiritual e não a conseguimos... E tudo isso poderia ser evitado por uma fiel submissão a Nosso Senhor. Temos que reconhecer sempre a nossa miséria e incapacidade, mas não só intelectualmente: precisamos viver conforme esta verdade. Precisamos clamar a Deus com humildade e não com imposição; precisamos ser gratos a Deus por tudo o que temos e não orgulharmo-nos daquilo que supostamente conquistamos com nossas forças; devemos reconhecer a grandeza do próximo, olhá-lo como um igual, mesmo que seja o homem mais miserável do mundo, porque devemos saber no fundo de nosso coração que sem Deus estaríamos muito pior que ele. E isto não deve ser ocasião de angústia para nós: muito pelo contrário, deve nos dar uma santa liberdade porque já não nos angustiaremos quando falharmos, já vamos ter a noção de que tudo deve ser feito de acordo com a Vontade de Deus, que é muito mais perfeita que a minha. Tudo isso, no entanto, pode parecer esmagador para nós, se não considerarmos o outro aspecto de que o mistério da Ascensão nos fala.

Se devemos ter humildade porque homem algum sobe ao céu senão pelo auxílio divino, devemos ter muita esperança de subir ao céu, porque Deus, Quem pode nos dar o céu, quer que subamos até lá muito mais que nós o queremos. Subir ao céu aqui não é só a salvação, mas também a nossa santificação mesmo, nossa união com Nosso Senhor que já deve começar aqui na terra, embora não seja da mesma maneira que no céu. Vejam que ao mesmo tempo que a Ascensão mostra que a humanidade só pode ser elevada pela divindade, mostra também que Deus se interessa por nós e nos eleva! Deus Onipotente se abaixa até nossa natureza pequenina para elevá-la até Ele, para trazê-la para perto de Si. Nosso Senhor quer-nos seus amigos! Ele vê as suas belas criaturas, vê a Sua própria imagem em nós e quer elevar-nos ainda mais. Só o fato de sermos imagem de Deus pela racionalidade da nossa alma já nos dá uma dignidade imensa, mas Deus quis elevar nossa dignidade ainda mais: deu-nos um Salvador que uniu a natureza divina à humana, porque ama tanto a humana que quis ficar junto dela. Vejam que Ele quis sofrer por nós durante toda a Sua vida, para que pudesse viver como nós, "conhecer"(entre aspas porque Deus sabe de tudo, não precisando se encarnar para de fato conhecer nossa vida) nossas dores e nossas alegrias. No ápice de Sua vida, tomou nossos pecados todos para expiar na Santa Cruz, sofrendo em sua perfeita humanidade por cada um de nós em particular. Sim, não só pela humanidade, mas por cada ente humano, sendo que se eu fosse o único homem a ser salvo, Ele teria feito o mesmo sacrifício. Ressuscitou ao terceiro dia para mostrar-nos o plano de vida nova que tem para nós, manifestando sua misericórdia mesmo depois de O termos abandonado. E, finalmente, depois dos quarenta dias, subiu aos céus. Nosso Senhor poderia, depois de terminada sua missão, despojar-se de Sua humanidade e tornar-se puro Deus novamente. Mas Ele a ama muito para largá-la! Quis ficar por toda a eternidade unido à Sua humanidade e isto é sinal do seu enorme desejo de que nós também nos unamos a Ele. Vejam quanta alegria não nos deve dar o mistério da Ascensão de Nosso Senhor Jesus Cristo! Ele não veio até nós como um rei orgulhoso fala com os pobres, como quem tem nojo e não assumiu nossa natureza como que vestindo uma roupa suja e desprezível; de fato, somos pobrezinhos e nossa natureza é indigna de ser assumida por Deus, mas Ele o quis fazer porque nos ama muito! E não quis só vesti-la e largá-la depois, mas quis ficar vestido com ela por toda a eternidade! Por isso, podemos hoje conversar com um Deus que é também homem. Podemos ser seus amigos porque, assumindo nossa natureza, Ele se coloca ao nosso lado. Ele continua acima de nós como Senhor Supremo porque é Deus, mas também está ao nosso lado como nosso amigo. Quanta ternura não tem Nosso Senhor para conosco! Por isso, não tenhamos nunca medo de Deus. Nunca o desprezemos, porque Ele nos ama muito! E também nunca nos desprezemos, nem a nós nem aos outros homens pelo mesmo motivo... Devemos participar do amor de Deus por nós e pelos nossos irmãos, porque Ele nos fez belos por natureza e a embeleza ainda mais fazendo-nos partícipes de Sua vida divina.

Meditemos com muito amor, com muito cuidado sobre o mistério de hoje. Colhamos os presentes que Deus quer nos dar. Deus abençoe a todos! Bom domingo e boa semana!

domingo, 17 de maio de 2020

O outro, dom de Deus



A nossa vida cristã traz consigo muitas responsabilidades. Precisamos rezar, ir à missa(que também é rezar), lutar contra o pecado, criar um laço de amizade com Nosso Amado Jesus e buscar que o próximo faça o mesmo. Todas essas coisas devemos fazer sempre com um espírito sobrenatural, com a intenção de agradar a Deus em tudo, com muita caridade. Nós sabemos, porém, que as circunstâncias são, às vezes, difíceis para nós e nos tentam a enxergarmos as nossas responsabilidades para com Deus e com o próximo como um  peso. Venho aqui hoje falar contra essa tentação. Jesus nos convida a carregar seu fardo leve e seu jugo suave. Portanto, a vida de discípulo de Cristo não combina com fardos impossíveis de se carregar. Uma coisa que pode nos ajudar muito a tornar tudo mais leve é esforçarmo-nos por enxergar tudo e todos como grandes presentes de Deus: a Eucaristia, os santos, a Trindade, os homens que nos cercam e mesmo as tribulações.

É importante recordarmo-nos sempre do amor de Deus por nós e de que sua providência é sempre uma maneira amorosa de conduzir as coisas. Assim, tudo o que nos acontece ou nos aparece, absolutamente tudo, Deus o quer ou o permite por amor a nós, porque Ele quer, com aquela pessoa, com aquela situação, nos fazer bem. A própria Bondade não consegue agir senão gerando, propagando o bem e isso nos chama a nos sentirmos amados por Ela a todo momento, em cada situação e em cada pessoa. Devemos enxergar a nós mesmos e aos que nos cercam como grandes presentes de Deus, para nós mesmos e para os outros. Nossa busca de santidade, na verdade, consiste em se tornar a cada dia um presente mais valioso a Nosso Senhor e aos nossos irmãos e nos doar como verdadeiros presentes a eles. Mas é muito interessante também, e é esse o escopo de estarmos aqui hoje, enxergarmos o que está fora de nós como dons, como presentes para nós. Quem é que não cuida bem das próprias coisas? Quando ganhamos algo precioso como um carro, um celular, um objeto de valor, sempre o cuidamos bem (ainda mais se quem nos deu foi alguém que nos ama muito). Assim, devemos ter um zelo muito terno por toda a criação, especialmente pelas pessoas, criaturas mais preciosas de Deus e por Jesus, maior presente de Deus Pai para nós, que veio viver conosco e continua vivendo na Eucaristia, doando-se todos os dias por nós, atualizando Seu sacrifício na cruz.

Quando enxergamos o que está fora de nós como presentes de Deus, como algo feito para nós, fica difícil não nos envolvermos com aquilo. Às vezes, a tentação do peso é um certo orgulho que quer olhar tudo de cima, que não quer abaixar-se aos outros para ajudá-los, para cuidar deles, para se envolver com eles. Pode-se pensar: "quero amar somente a Deus e todas as outras coisas só por causa dele. Tudo quero amar só por causa de Deus. Então, não posso deixar que meus afetos sejam dados as criaturas, porque só Deus tem direito a eles. Não posso me permitir envolver-me com elas." Isto é um erro. De fato, o maior afeto, o maior amor, se deve somente a Deus, porque a Ele nós amamos sobre todas as coisas, sobre todas as criaturas. Mas nosso amor caridade deve ser uma participação do amor divino, e este amor divino não tem medo de se envolver com as criaturas. Não tinha Jesus a São João, a quem Ele permitia que encostasse a cabeça em seu peito e escutasse as batidas do Seu Sagrado Coração? E não quer ter a nós e a toda a humanidade? Nosso Senhor anseia nós. Ele nos quer perto de si. É natural, ou melhor, sobrenatural que nos preocupemos com os homens, que nossos afetos sejam estendidos a toda a humanidade. Quando Jesus viu a multidão com fome, o que aconteceu? Ele fez uma reflexão teológica, indo de premissa em premissa até ver que o correto era que desse de comer àquelas pessoas? Não. Ele sentiu compaixão.(Mt 14, 14) Não tenhamos medo de sentir compaixão também, não tenhamos medo de sentir afeto, prazer pela companhia de alguém, até certo apego. O que não deve haver em nós é um apego desordenado às criaturas, não qualquer apego. 

Há, de fato, uma grande tendência ao sentimentalismo na nossa época, que diz que "o importante é se sentir bem". Não é esse, de fato, o mais importante. É importante é Cristo e a vivência do Seu amor, como diz um grande padre conhecido diante de afirmações semelhantes. Mas é humano sentir e Deus fala a todo o homem, não só à sua inteligência e à sua vontade. A insensibilidade não é uma virtude, mas um vício, então temos que tomar muito cuidado para não cairmos nela. Lembremo-nos do que Deus disse a Israel: "tirarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei um novo coração de carne."(Ez 36, 26) A nossa conversão não consiste em deixarmos de ter sentimentos e paixões, mas em ordená-los segundo a Vontade de Deus. Claro, se eu sinto algo que vai contra os mandamentos, a Vontade de Deus, tenho que lutar para não consentir naquilo, mas não quer dizer que nossos sentimentos sejam maus em si, muito pelo contrário: são criaturas de Deus e devem ser queridas por nós. Assim, devemos nos permitir sentir afeto por Deus e pelos homens, se de fato os enxergamos como bens e nós os enxergaremos como bens se de fato os amamos. De fato, o amor é um ato da vontade. Mas a prática do amor autêntico, com o tempo, vai elevando a Deus também os nossos afetos, os nossos sentimentos e tudo o que há em nós. Afinal, devemos amar a Deus sobre todas as coisas, com todo nosso ser, com todo o nosso entendimento, com todas as nossas forças, com toda a nossa alma e com todo o nosso coração(Lc 10, 27). E este coração é o mesmo com que amamos a nós, ao próximo e às outras criaturas.

Sem essa noção de dom, de preciosidade, da grandeza do outro, fica muito difícil conseguir viver bem o cristianismo. Fica muito difícil crescer tanto na caridade para com Deus, quanto para com o próximo e para com nós mesmos. Pois se não enxergo a preciosidade dos homens, que são imagem de Deus, muito dificilmente será Deus precioso para mim. Se não enxergo Jesus como meu precioso amigo, fica muito difícil fazer oração, adorar e fazer penitência  com amor. Tudo isso vai parecer uma multidão de atos unicamente de justiça, de um "vejo que este é o certo, portanto o faço." Isso é tudo válido, é tudo lícito. Não é pecado. Mas é um amor muito imperfeito ainda. Temos de nos esforçar para ultrapassar isso. Temos de nos esforçar para rezar sabendo que Deus nos espera e que conversarmos com Ele o agrada muito. Precisamos tentar dar esmola porque queremos que aquela pessoa tenha seu alimento, que ela possa comer; tentar levar Cristo aos homens porque eu sei que Ele é o maior bem que eles podem ter nesta vida e na outra, o único modo de serem felizes. Tenho que me esforçar para que minhas boas obras não sejam feitas simplesmente porque são minha obrigação. Temos de nos esforçar para amarmos desinteressadamente. E essa perspectiva de dom pode nos ajudar a isso, para nos colocar junto com o outro, ou até abaixo dele. Porque, como disse antes, há um certo orgulho em não se permitir ter afetos pelo que está fora de nós, um certo egoísmo também. Se não encaro a oração como uma graça que Deus me concede, um presente que Ele me dá de se dispor a me ouvir, vai parecer, na verdade, que, quando faço oração, estou dando esmolas a Ele. Assim com nosso próximo. Vai parecer sempre que sou um superior dando migalhas a um inferior quando não deve ser assim, pois somos irmãos, ou somos ao menos chamados a sê-lo, se um de nós não for batizado. Mas a questão é somos iguais. Se já é problemático isso com o próximo, que dirá com Deus, que é a fonte de todo o bem, que é o Governante Supremo do universo, de quem somos pobres filinhos? Muito amados, é verdade, mas muito pobres também. Temos que ter espírito de pobreza, de humildade: não somos nada. A oração é para nós fonte de graças das quais necessitamos absurdamente para a mínima boa ação, para o mínimo bem. As boas obras são formas de cuidar daqueles preciosos dons que Deus nos deu, os homens, além de serem também fonte de graças para nós, fonte de santidade. 

Evitemos, irmãos, o orgulho e o egoísmo. Lembremo-nos da nossa pequenez, da nossa miséria, do quanto somos necessitados de Deus e até das criaturas, pelas quais Deus nos distribui graças. Aquele velho ditado da vovozinha, que a gente tende a achar que é besteira, é muito sábio, na verdade: precisamos até do capim da rua. Não podemos desprezar nada nem ninguém... Evitemos também o excessivo fechamento em nós mesmos. Deus, que é Ele mesmo grande dom para nós, e os homens querem ou precisam do nosso amor, apesar de pequeno e pobrezinho. Lembremos sempre, também, que somos nós mesmos dons de Deus para nós e para os outros e devemos nos amar muito, apesar de nossa miséria, porque Deus também nos ama. Deus abençoe a todos! Um bom domingo e uma boa semana!

domingo, 10 de maio de 2020

Jesus e Maria, perfeito Filho e perfeita Mãe


Um feliz dia das mães a todas as mães, biológicas, adotivas ou espirituais! Por conta deste alegre dia, gostaria de falar algumas poucas palavras sobre Nosso Senhor e Nossa Senhora, modelos para nós em nossos papéis maternais e filiais. 

Nossa meta de santidade consiste na perfeita conformação a Nosso Senhor, a ponto de podermos dizer, com São Paulo: "eu vivo mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim"(Gl 2, 20). Assim, temos de imitar Jesus, ter em nossos corações os mesmos sentimentos que Ele. Olhemos também para o grande amor que tinha Ele por sua Mãe, Santa Maria. Amor tão grande que, do alto da Cruz, o fez esquecer os próprios sofrimentos e pronunciar aquelas palavras à Sua Mãe: "Mulher, eis aí teu filho."(Jo 19, 26) E depois ao discípulo: "filho, eis aí tua mãe"(Jo 19, 27). Jesus estava preocupado com sua mãe, que ficaria sozinha: viúva e sem filho(Ele haveria de ressuscitar, mas ascenderia aos Céus também, então Maria ficaria sozinha de novo), condição um tanto difícil de se enfrentar na sociedade judaica da época. Mas Jesus fez muito mais, neste momento, que se preocupar com uma morada pra sua Mãe: Ele no-La deu como nossa própria Mãe. São João representa toda a Igreja naquele momento e Nosso Senhor dá Nossa Senhora como Mãe a toda a Igreja na pessoa de São João. Isto demonstra grande amor por nós e por Ela. 

Quando se dá algo para alguém, o amor que se demonstra para com quem recebe o presente é proporcional ao afeto que se tem por aquele objeto. Por exemplo, se comprar um livro muito bom pra alguém, isto pode ter um grande valor. Mas se eu der pra alguém o meu livro preferido, o meu exemplar daquele livro que tanto amo, este presente se torna muito mais valioso. Então, o Coração de Jesus, que não vejo como poderia nos dar um presente sem valor, nos dá Sua própria Mãe momentos antes de nos dar Sua própria vida. Que valor não teria este presente para Ele? Sua Mãe era o amor do Seu Coração e Ele A deu para nós! Que grande prova de amor Jesus nos deu! Que grande presente! Isto nos leva a refletir sobre duas coisas: a obrigação que temos de imitar Jesus amando muito nossas mães da Terra e oferecendo-as a Ele, procurando sempre aproximá-las Dele como Ele aproxima a Sua de nós; também nos dá uma dupla obrigação de amarmos Maria como Nossa Mãe: uma que vem do fato de termos de aceitar o presente Dele: se os presentes ruins já somos obrigados a aceitar de quem nos ama muito, que obrigação não temos de aceitar este tão sublime presente, aquilo que é mais precioso para Quem mais nos ama? O outro motivo é que não seremos perfeitos Cristos, não estaremos perfeitamente configurados a Ele se não formos perfeitos filhos de Maria. Assim, devemos acolher Nossa Senhora com todo o coração, como o fez também o Discípulo amado. Devemos honrá-la com a firme consciência que, ao amá-lA, estamos também amando o próprio Cristo. Então façamos nossos atos de devoção! Rezemos o Terço ou o Rosário com muito amor, cantemos o Regina Coeli, o Salve Regina... Sejamos bons filhos de Maria.

Em Maria temos, também, perfeito exemplo de Mãe e de cristã. Gostaria de falar, especialmente, de Seu abandono à vontade de Deus para Jesus. Enquanto São Pedro, ao ouvir de Cristo o anúncio da Paixão, se revoltou e foi repreendido pelo Mestre Divino(Mt 16, 22-23), Nossa Senhora soube desde o início que uma espada transpassaria sua alma(Lc 2, 35) e até a hora da morte de Jesus, estava Ela não só resignada, mas amando a Vontade de Deus. Ela sofria muito por amar muito a Jesus e vê-lO naquela situação e justamente por isso Sua obediência foi tão valiosa. O perfeito Exemplo de mãe quer mais é que se cumpra a Vontade de Deus para seu Filho, porque sabe que é isso o melhor para Ele e até para Ela, apesar de todos os sofrimentos que isso possa causar a Ela ou ao Filho. Ela não deixa de acompanhá-lO até o último momento, mas também não impede que Deus trabalhe... 

Que nós amemos sempre nossas mães e nossos filhos! Rezemos muito por eles e por elas, entregando-os todos os dias para Deus. Ele é Quem sabe o melhor para todos, portanto confiemos nos seus desígnios. Lembremo-nos sempre de que é só Nele que podemos ser felizes. Assim, busquemos aproximar ao máximo quem amamos, especialmente nossas mães neste dia, Dele que é a fonte de todo o bem! Confiemos nossas mãezinhas a Nossa Senhora, a mais perfeita de todas e a honremos com todo o coração, Ela que é a Mãe do salvador e nossa! Um feliz dia das mães e que Deus abençoe a todos!

domingo, 3 de maio de 2020

Perseveremos


Ouvindo uma música chamada "Élan", da banda Nightwish, me deparei com dois versos muito interessantes:
"Race the dark
It feeds from the runs undone"
Que, em português, significam:
"Corra contra as trevas
Elas se alimentam das corridas incompletas"

Estes versos me fizeram refletir muito sobre a importância da virtude da perseverança na vida cristã. Nós caímos constantemente e o perigo de desistir de uma meta tão difícil que é a santidade sem perceber os progressos que fazemos e vendo todas as nossas quedas é muito grande se não estivermos bem preparados, depositando toda a nossa confiança em Deus. Por isso, venho aqui falar um pouquinho dessa virtude tão importante juntamente com a paciência para conosco para que alcancemos a meta que nos é proposta, mostrando como ela é um ato de amor e como o contrário dela, a desistência ou o desânimo, pode ser um grande ato de orgulho motivado por aquelas "trevas" que se alimentam das corridas ou das caminhadas incompletas.

É interessante notar que a perseverança é um grande ato de amor não só para consigo, mas também a Deus e ao próximo. Talvez seja mais fácil ver que é amor para consigo porque, sem ela, podemos ser privados do céu que é o nosso fim último, que é o único jeito de termos a felicidade. Mas é também amor para com Deus porque vai demonstrar a confiança que eu tenho nEle, de que Ele pode, com sua onipotência misericordiosa, me fazer santo, me salvar, resolver todas as minhas necessidades se eu abrir a Ele o meu coração, além de ser amor a Deus no próximo, a quem eu não deixo de servir como faria se eu desistisse. Os nossos pecados não machucam somente a nós mesmos, somente a nossa alma, mas machucam também o Coração de Jesus e o de Maria que batem tão doce e amorosamente por nós, além das consequências que trazem aos nossos irmãos. Uma desistência de um cristão que volta para o mundo, que deixa de tentar agradar a Deus, implica que muito bem deixará de ser feito e que muitas pessoas que iriam se beneficiar das orações e dos serviços daquele cristão, ou até que dependessem dele para sua salvação, ficarão desamparadas... É verdade que Deus pode dar um jeito e salvar essas pessoas mesmo sem ele, mas as nossas ações tem consequências reais, estamos em um mundo real e Deus quer a nossa colaboração. Se assim não fosse, os jesuítas não precisavam ter vindo ao Brasil para evangelizar os índios. Poderiam pensar: "Deus é misericordioso! Ele pode salvá-los!" De fato pode, por ser infinitamente misericordioso, mas, ordinariamente, a salvação se dá por meios específicos. A graça não tolhe a natureza e Deus conta conosco para preparar bem a natureza dos homens para que a graça venha ao seu encontro. Agora, "como invocarão aquele em quem não tem fé? E como crerão naquele em quem não ouviram falar? E como ouvirão falar se não há quem pregue?"(Rm 10, 14) Não quer dizer que seremos todos pregadores, mas somos todos chamados a dar exemplo ao menos com nossas vidas, com nossas boas obras. Mas, se desistirmos da vida cristã, se desistirmos de amar, se desistirmos da nossa salvação ou da santidade, como poderemos fazer esse bem que Deus quer que façamos? São Josemaria Escrivá dizia que todos nós temos coisas que só nós podemos fazer e Deus espera isso de nós. Que lacuna ficará no mundo se não o fizermos...? E vejam uma coisa: não desiste só quem pára totalmente ou abandona totalmente a corrida, mas também aqueles que se deixam levar pela moleza. Em uma maratona em que todos os participantes estão correndo, se alguém começa a somente caminhar, já se deu por vencido. O que quero dizer é que nossa perseverança não pode ser buscar sempre o mínimo necessário, mas deve sempre ser esforçar-se ao máximo para crescer em santidade ou nunca a alcançaremos.

Agora, eu queria falar de um lado um tanto mais negativo do tema, de uma tentação que nos aflige e que nos pode levar a desanimar ou até a desistir, uma tentação contra a qual devemos lutar corajosamente. Ela é a falta de paciência com as próprias faltas, algo de que já falei acima, mas que vale a pena ser aprofundado. É comum que nós, ao vermos nossa miséria, sejamos tentados de algumas maneiras. A inquietação, de modo geral, seja sob forma de tristeza, de raiva de si mesmo,ou até de desespero, é um perigo muito grande para nós diante de nossos pecados. São Francisco de Sales nos fala muito bem sobre isso: "Como podemos melhor empregar a doçura é aplicando-a a nós mesmos, sem nunca nos aborrecer de nossas imperfeições. Temos de procurar não ser vítimas de um mau humor desagradável e triste, despeitado e colérico. Há muitos que se aborrecem por se terem aborrecido, que se entristecem por se terem entristecido e se desesperam por se terem desesperado." E em outro lugar: "'Bem', dir-me-á alguém, 'mas como posso não me afligir e entristecer-me se vejo que é por minha culpa que não avanço no caminho da virtude?' Já o disse na 'Introdução à vida devota' e agora torno a dizê-lo de bom grado: é preciso entristecer-se com um arrependimento que seja forte e sereno, constante e tranquilo, mas nunca agitado, nem inquieto, nem desalentado." Esse tipo de impaciência conosco é resultado do nosso orgulho: queremos ser santos ao nosso tempo, à nossa maneira, com nossas forças, enquanto que o certo é querer o que Deus quer, querer a santidade na hora que ele desejar nos dar e lembrar exatamente disso, que a santidade é um dom de Deus que nunca pode ser obtido por esforços humanos, simplesmente. É necessário, de fato, o nosso esforço para que abramos o coração para a graça, para que preparemos a natureza para que ela venha até nós, mas o trabalho da santificação, da cura dos vícios, da infusão das virtudes se dá pela graça. Essa frustração não deixa de ser uma decepção orgulhosa consigo mesmo, que esperava demais de si próprio, o que a verdadeira humildade não nos deixa fazer. Portanto, a paciência para consigo é necessária para ter humildade, para a paciência com o próximo(pois se não a tivermos nem conosco, não será possível ter para com ele) e para a perseverança. Ninguém aguentaria a vida cristã sem esse tipo de paciência, já que o número de nossas faltas nos iria perturbar tanto que se transformaria num fardo impossível de carregar. Tenhamos muito cuidado com isso... Não achemos que somos super-humanos, que podemos carregar qualquer peso... Se carregarmos tanto assim, há um grande perigo de cansarmos de tudo, de acharmos que ser católico não é para nós. Por isso, deixemos que Cristo carregue nossos pecados e nossas feridas, porque Ele, sendo Deus, tem força para levar nossas enfermidades todas e, sendo perfeito homem, tem compaixão de nós.

Por isso, meus amigos, não caiamos na tentação, na mentira do demônio. Ele é a escuridão que se alimenta das caminhadas incompletas. É essa víbora que quer nos separar de Nosso Senhor, de Nosso Amado, que nos conta essas e outras mentiras, de que não aguentaremos as dificuldades que Ele nos pede para enfrentarmos, de que Ele deixa que passemos elas porque não nos ama, porque não temos valor para Ele... Não acreditemos no demônio! Estejamos sempre prontos para reconhecer a sua voz enganadora. Lembremo-nos de que nada que nos tira a paz da alma pode vir de Deus. Lembremo-nos disso... Pensemos ,também, em quantas almas não começaram bem a vida devota e desistiram com as tribulações da vida, ou não fizeram bons propósitos e os deixaram de lado depois... Não digo isso para assustar ninguém, na verdade, peço que não se assustem, mas devemos todos ficar alertas contra isso, por amor ao Coração terno de Jesus, que anseia pela nossa companhia, que anseia por ver a nós e a todos os homens no caminho da virtude, no caminho do bem... Ele nos ama muito e quer muito ver-nos no céu, ao seu lado. Não recusemos o pedido de tão bondoso Salvador, que conhece a cada um de nós, que nos chama a cada um pelo nome, e que quer que cada um seja feliz aqui na terra, vivendo o amor, e no paraíso junto dEle. Confiemos muito nEle e façamos de seu Sacratíssimo Coração o nosso refúgio em todas as nossas necessidades! Não há lugar mais seguro que dentro deste Coração amoroso, de onde podemos obter todas as forças que precisamos para vencermos as tentações e tribulações que encontrarmos pelo caminho.

Rezemos muito para que Deus nos conduza, à seu modo, à perfeição. Peçamos também a Nossa Mãezinha, A Santa Virgem Maria, Rainha dos Céus e de nossos corações, mais perfeita de todas as criaturas, que nos ajude a perseverar neste vale de lágrimas! Um bom domingo e uma boa semana a todos!

São José na Sagrada Escritura

  São José é mencionado nos Evangelhos apenas 14 vezes, em cerca de 43 versículos (Mt ...